Introdução
Um
espectro ronda todo o mundo, o espectro dos coletivos. São grupos de pessoas, sem
vínculo formal, fazendo ações multiartísticas independentes e criando suas
próprias regras em seu âmbito de trabalho.
Uma
vez tendo o tema de estudo em mente, segundo passo foi procurar referências
quanto ao objeto de pesquisa. Ao examinar a questão e procurar conteúdo
semelhante, que dê uma luz ao fim do túnel, acabei chegando numa conclusão: não
há um projeto, pelo menos no período em que pesquisei, um estudo que detalhe
sobre o trabalho dos coletivos, do ponto de vista coeso, sem nenhum tipo de
rodeio.
Concluindo
este cenário, é necessário comentar que este trabalho não tem o objetivo de ser
pioneiro em relação à questão, pois o intuito é criar um estudo direto e
conciso, ou seja, não chegar nem perto da estrutura de uma monografia.
Para
afunilar o trabalho, escolhi um coletivo chamado Rasgada Coletiva, que nasceu
em Sorocaba, interior de São Paulo. Município que teve seu “boom” de grupos
fomentando cultura independente em 2010. Para estreitar ainda mais o estudo
analisado, o projeto não entrou na questão do significado, do ponto de vista
histórico de coletivo, pois o tema é visto em todo o processo da humanidade:
desde a Antiga Grécia até o Brasil ter a primeira presidente mulher.
O
sentido de coletivo deste trabalho parte de três elementos: dadaísmo,
construtivismo e surrealismo, movimentos que surgiram em 1910, em todas as
partes do mundo, principalmente na Europa e Estados Unidos.
De
1910 a 2012, ocorreram vários fatos históricos: 2ª Guerra Mundial,
Guerra Fria e o aparecimento de Hakim Bey, um historiador americano que mudou a
visão ideológica dos coletivos.
O trabalho tem grande influência do
artigo do jornalista Denis Russo Burgierman, da revista Super Interessante, em
que ele tenta descobrir o surgimento dos primeiros coletivos e, além disso,
retrata a maneira que esses grupos compartilhados trabalham no dia a dia. Além
dele, sociólogos contemporâneos foram importantes para identificar como os
coletivos, que não são formas homogêneas, conseguem desenvolver seu trabalho na
sociedade.
Afinal, o que significa e de
onde veio os coletivos?
Ao
digitar em algum site de busca na Internet ou procurar no dicionário, coletivo
refere-se a um conjunto de elementos ou a um agrupamento de pessoas.
Vale salientar que este projeto não
irá aprofundar sobre coletivo, do ponto de vista histórico, pois iria ficar
extenso e cansativo para leitura. A ideia é debater o objeto de pesquisa
partindo de três movimentos: dadaísmo, construtivismo e surrealismo.
Para
chegar nesses três movimentos, que ocorreram em 1910, na Europa, foi preciso
analisar o artigo do jornalista Denis Russo Burgierman, da revista
Super Interessante, em que ele tenta descobrir o surgimento dos primeiros
coletivos e, além disso, retrata a maneira que esses grupos compartilhados
trabalham no dia a dia.
Segundo
o autor de Inversão da ordem, cada coletivo manifesta e reúne artistas
trabalhando juntos a um serviço social. Cada qual da sua forma e maneira. Ele
dá exemplo da obra dadaísta de Marcel Duchamp, em que transformou um urinol
(espaço para urinar) em arte e que foi levado ao um museu.
Durante
manifestos aqui, lá e acolá, inicia em 1939 a Segunda Guerra Mundial, que
terminou em 1945. Ao término, vem a Guerra Fria, conflitos indiretos entre os
Estados Unidos e a União Soviética (hoje Rússia). Nesse período, surgem
coletivos que não queriam apenas mudar a arte e, sim, mudar o mundo como um
todo. O jornalista dá exemplo dos situacionistas, influenciados pelo marxismo
alemão, que apoiam o início do movimento estudantil de maio de 1968 na França.
Com
o fim da Guerra Fria, em 1991, os coletivos deixaram de lado o marxismo e
começaram a enxergar no americano Peter Lamborn Wilson, mais conhecido pelo
pseudônimo Hakim Bey, um meio de aprimorar a ideologia dos grupos
compartilhados.
Na
obra “Taz (Zona Autônoma Temporária, na sigla inglesa)”, Hakim Bey não fala
diretamente sobre coletivos, mas dá a entender que a TAZ representa espaços
alternativos, com regras diferentes em relação a da sociedade. Ele conta que
cedo ou mais tarde uma Taz será criada: “[...] ela foi criada, será criada e
está sendo criada. Portanto,
será mais proveitoso e mais interessante olharmos para algumas TAZ passadas e
presentes, e especular sobre manifestações futuras” (BEY, 2003, p. 43). Hakim
Bey ainda fala que esses espaços são criados com o potencial de experimentar
uma forma distinta de viver e, quem sabe, levar essa vivência para a sociedade,
com o intuito de expandir o conceito ideológico.
O
historiador americano, em uma passagem da obra, diz a TAZ não deve ser
“percebida como algo mais do que um ensaio (“uma tentativa”), uma sugestão, uma
fantasia poética. […] não estou tentando construir dogmas políticos (BEY, 2003,
p. 13). Ele ainda comenta que não quer definir a TAZ, pois Zona Autônoma Temporária é “autoexplicativa”:
“Se o termo entrasse em uso seria compreendido sem dificuldades... compreendido
em ação (BEY, 2003, p. 13).
O
sonho anarquista para Habim Bey, em TAZ, é o fim do Estado, e da zona autônoma
duradoura, uma sociedade livre. Para ele, a ideia é não mudar a mentalidade da
sociedade, mas transformar o mundo.
A
maneira que o historiador americano fala sobre a TAZ e, também, do jeito que o
jornalista da Super Interessante a compara, dá a entender que a TAZ pode ser
traduzida em coletivo.
Coletivo: Rasgada Coletiva
O
Rasgada Coletiva nasceu em 2010, sob a luz amarelada das noites de Sorocaba, um
município que conta com mais de 600 mil habitantes, numa área total de 449 km²,
segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Um
coletivo, de certa forma, recente, que reúne agentes culturais (artistas,
radialistas e educadores), que buscam efervescer o cenário cultural de Sorocaba
e região, tendo realizado em pouco mais
de um ano mais de 100 ações independentes.
O
trabalho do coletivo envolve a criação de espaços de formação e diálogo
(oficinas, workshops, debates), a produção de festivais e mostras artísticas, o
intercâmbio entre agentes e artistas nacionais e internacionais, além de
promover e fomentar a reunião da classe artística local, trabalhando em rede
com outros produtores e coletivos.
A
sede do Rasgada Coletiva está localizada na rua Carlos José Nardi, 117, na Vila
São João, um pequeno bairro residencial antigo que sobreviveu com um ritmo
muito próprio ao processo de urbanização da cidade, que “espremeu” o bairro
entre o centro e a linha férrea sorocabana. Lá, nas segundas-feiras, se torna
num espaço para criação de atividades culturais e apresentações artísticas
independentes e autorais. O espaço, que surgiu em outubro de 2010, se chama
Carne de Segunda, uma casa comum, local de trabalho e de moradia de um de seus
membros.
O
fato do Rasgada Coletiva abrir gratuitamente seu espaço à presença e expressão
de toda e qualquer pessoa, carrega um profundo questionamento sobre os limites,
sobretudo simbólicos, entre o que é espaço público e privado, e exercita o
encontro entre diferentes. O bem estar
de todos é garantido sem imposições, “sem grades”, mas com o diálogo constante
com o público por todos os meios possíveis, e através da cultura da colaboração
para a manutenção do evento (passada muitas vezes dos frequentadores assíduos
para os novos visitantes), criando um agradável ambiente de trocas culturais
baseado no respeito e na admiração à diversidade, sem nenhuma incidência de
violência, atitude preconceituosa ou desrespeito à comunidade nos entornos da
sede.
Além
do Rasgada Coletiva, tem outros coletivos em Sorocaba com o mesmo objetivo:
fomentar cultura independente, sem nenhuma verba municipal, estadual ou
federal. Como não poderia ficar extenso este projeto, foi optado apenas por
escolher apenas um coletivo.
De
cima para baixo e vice-versa
O
crescimento populacional do mundo é, certamente, um fator predominante quanto à
causa da hibridação cultural (conceito de Canclini). Para ter uma ideia,
segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de
1930 a 1980, a população mundial passou de cerca de 2 bilhões para a marca de 5
bilhões de habitantes.
Segundo
Santos, nos processos paradoxais de desenraizamento, as lutas e tensões
econômicas, culturais e políticas – hegemônicas e contra-hegemônicas – estão no
universo globalizante. Ou seja, o autor visualiza as formas de globalização
hegemônicas de cima para baixo. Em outro cenário, de baixo-para-cima,
prontamente representa a resistência ou contra-hegemônia dessas representações
de predominância.
Para
o autor, o cosmopolitismo e o patrimônio comum da humanidade são movimentos
contra-hegemônicos. São globalismos de baixo-para-cima que assumem o papel de
resistência aos fenômenos de localismos globalizados e globalismos localizados
(Santos, 2002, p. 70-71). Os fenômenos de globalização não existem como
entidades estanques, alimentam-se das lutas que se travam em diversas dimensões,
não têm um caráter pacífico e consolidado, e atingem o campo social,
tensionando, portanto, as identidades sociais em disputa.
De acordo com Canclini (1997), os
artistas e escritores que mais contribuíram para a independência e
profissionalização do campo cultural fizeram da crítica ao Estado e ao mercado
eixos de sua argumentação. Para ilustrar este cenário, o autor dá exemplo do
texto do roteirista de novela venezuelana, José Ignacio Cabrujas, que diz: “os
Estados latino-americanos não podem ser levados em conta porque não podem ser
levados a sério (CANCLINI, 1997, p. 100).
Outro
exemplo é do escritor mexicano Octavio Paz, que afirma:
[…]
a liberdadede que o artista necessita é obtida afastando-se do
"príncipe" e do mercado. Mas, de fato, em sua obra foi crescendo a
indignação frente do poder estatal, enquanto em seus vínculos com o mercado
busca uma relação produtiva, recorrendo aos meios massivos para expandir seu
discurso (CANCLINI, 1997, p. 100)
É
visto que a classe artística, aquela fora do contexto global, recorre de formas
alternativas para divulgar sua arte, sem depender do poder estatal. Os
coletivos são exemplos. Eles promovem eventos de forma independente, sem a
presença de verbas municipais, estaduais e federais.
Para
Stuart Hall, em Identidade Cultural na Pós-Modernidade, fala que “[...] as
velhas identidades, que por tanto tempo estabilizavam o mundo social, estão
declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno,
até aqui visto como um sujeito unificado" (HALL, p. 7). Portanto, os
coletivos estão, de certa maneira, criando novos hábitos aos que frequentam o
ambiente. Mesmo tendo surgido recentemente, os coletivos criaram identidade no
município de Sorocaba.
Considerações
finais
Em
dois anos, o Rasgada Coletiva vem construindo uma identidade no município de
Sorocaba e, além disso, criou ações culturais sem depender do município e do
Estado. Com a potencialidade de desenvolver atividades gratuitas e, também, de
divulgando os artistas da cidade e da região, os frequentadores, durante o
Carne de Segunda, acaba criando novas amizades, conhecendo artistas e
dialogando com todos os presentes na ocasião. Troca experiências e fazem de uma
casa simples, num espaço como se fosse um tipo de abrigo, com regras distintas
a do Estado.
Pelos
teóricos, que estão na referência deste projeto, mostram que o coletivo
sorocabano criou uma identidade no município, tal como contribuiu para
enriquecer culturalmente a localidade, sem depender de verba pública. As
segundas-feiras, que geralmente não têm nenhuma atração cultural, se tornaram
agradáveis, com entretenimento e interação entre pessoas.
Outra
mudança vista nos coletivos é a ideologia política. Referência essa que deu
início depois da Guerra Fria, tendo Hakim Bey como um pensador que entrou no
caminho desses grupos e mudou a mentalidade deles. Antes disso, os coletivos
usavam mais as teorias marxistas, principalmente da Alemanha, para dialogar
entre grupos compartilhados e realizar sua atrações e atividades independentes,
sem o uso financeiro do Estado.
Referências
BEY, Hakim. TAZ (Zona Autônoma
Temporária). Editora Conrad: São Paulo, 2001.
BURGIERMAN, Denis Russo. Inversão da
ordem. Super Interessante, junho de 2009.
BURKE, Peter. Hibridismo cultural,
2003.
CANCLINI, Néstor Garcáia. Culturas
Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Editora Edusp: São
Paulo, 1 edição, 1997.
CANCLINI, Néstor Garcáia. Culturas
Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Editora Edusp: São
Paulo, 2 edição, 1998.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na
Pós-Modernidade.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso. Identidade
Etnia e Estrutura Social.
ORTIZ, Renato. Mundialização e
Cultura. Editora Brasiliense: São Paulo, 2003.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Os
processos de globalização. Editora Cortez: São Paulo, 2002.
SENNETT, Richard. O Declínio do Homem
Público. Editora Companhia das Letras: São Paulo, 1988.